quinta-feira, maio 08, 2008

Nada pra se dizer

Esse texto foi pro último concurso da revista PIAUÍ. Não gostei muito, mas... Foi.


Ao olhar para a tela em branco, o escritor se deu conta de que não tinha mais nada a dizer.
Ao menos naquele momento, os confins de sua mente eram apenas reticências. Reticências eternas, por assim dizer, por mais efêmeras que fossem.
Além das tais reticências, ele ainda tinha escondido na manga uma ou outra porção de caos, mas que preferiu conservar consigo pra ter o que passar no pão quando acabasse a manteiga. Afinal de contas, ele era assim mesmo: Um cidadão extremamente prevenido, embora tanto quanto capcioso.
De tal modo, esbanjando austeridade como quem já não mais se preocupa com as frustrações universais, continuou seu raciocínio pra lá de esquizofrênico. Escrever sobre o que?
Guerras, crimes torpes, escândalos administrativos, aleatoriedades futebolísticos, fofocas de gente famosa, genocídios, queda da bolsa, entre tantas outras obscenidades, eram assuntos que, sem sombra de dúvida, causavam boa audiência.
Porém, entendia ele que estes não eram temas merecedores da sua apreciação. Afinal de contas, ao menos para tanto, a afamada mídia contemporânea já abundava em conteúdo.
O que ele realmente desejava, era escrever sobre assuntos mais, digamos, substanciais. Tais como metafísica, filosofia psíquica, ou então sobre os aspectos jocosos da deôntica paraconsciente (seja lá o que isso significasse). Não porque estes assuntos realmente o interessassem (muito pelo contrário, aliás), mas simplesmente pela elegância e prestígio dos mesmos, que, aos olhos do escritor, eram tidos como muito mais respeitáveis e nobres, merecendo, portanto, maior consideração dos leitores.
Entretanto, havia um pequeno empecilho quanto a este tipo de tema. Ele os conhecia tanto quanto conhecia sobre, por exemplo, aramaico antigo: Absolutamente nada.
Sem maiores ou melhores opções, tentou escrever até sobre as angústias e fragilidades humanas, o que o levou a percorrer pelo obscuro terreno da literatura de auto-ajuda. Quando percebeu a gravidade da situação, entrou em depressão e pensou até em parar de escrever.
Mas tudo passa. Com as mágoas devidamente curadas, o problema veio novamente à tona: O que havia para dizer, que já não houvesse sido dito?
Sem nenhuma resposta convincente, resolveu então, ao invés de dizer, fazer.
Logo percebeu que fazer dava muito trabalho, e voltou a pensar sobre algo a ser dito. E assim se encontra até o presente momento.
Nada mais foi dito nem perguntado.

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2 Comments:

Blogger Rafael said...

Ao menos ele mantém a constância, e preferiu não escrever sobre temas aclamados pela audiência, segundo suas próprias divagações.

O nada é tão misterioso quanto assuntos metafísicos... Dizem quem tem "nada" por aí, dizem que existe Deus... Ninguém sabe ao certo, mas creio que a resposta está em algum abismo ainda não explorado de nossas mentes. Se existe mesmo um nada está lá...

Talvez seja uma boa! Falar sobre o vazio do oito grafado a 90º de sua posição correta...

10:57 AM  
Blogger Rafael said...

PS: Esqueci de dizer que gostei bastante do texto! Espero que seja publicado!

Até mais!

10:59 AM  

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