quinta-feira, julho 17, 2008

Aventura em Texas City

Mesmo ainda não muito habituado aos costumes do remoto Texas, aquele velho pistoleiro decidiu que a noite pedia uma visita ao Saloon local, já que a umidade relativa do ar se mostrava propícia a uns tragos de uísque. Cowboy, claro. E em copo sujo, por óbvio.
Enrolou um cigarro, encilhou a égua (suas concepções religiosas ortodoxas não o permitiam montar cavalos), e mesmo com algum receio em encontrar o xerife local, seguiu seu rumo pelas escuras vielas de Texas City.
Sem a antiga barba, o cartaz de ‘Procura-se vivo ou morto’ pregado na porta da delegacia já não oferecia grande perigo, pensou ele.
Porém, ao menos nas profundezas de sua alma, ainda pairava certa frustração por não ser mais reconhecido e, principalmente, temido como em tempos idos.
Afinal de contas, a vida de célebre pistoleiro sempre havia proporcionado momentos de glória e reconhecimento. Poucos tinham um gatilho tão rápido ali pelas bandas do oeste...
Mas a situação haveria de mudar. Era só uma questão de tempo.
Embora apenas alguns poucos soubessem, por trás daquela face sisuda, que já revelava alguns sinais do tempo, residia um espírito altivo, quiçá surgido nos áureos tempos em que viveu sob os longínquos parreirais sicilianos, onde além de aprender o nobre ofício de carabinieri, teve seus primeiros contatos com o amor e a poesia. Conseguiu tornar-se letrado nas belezas do mundo e da vida, mesmo naquele povoado tão frio e notoriamente xucro, mas que, ao menos nos confins de seus pensamentos, ainda carregava doses exageradas de nostalgia.
O que o havia trazido ao Texas, já não importava mais.
Afinal, a sede de aventura poderia tê-lo levado a tantas outras paragens, mas o acaso, este piadista incorrigível, tinha o deixado ali, em Texas City.
Entrou no Saloon como todo pistoleiro deve entrar, chutando a porta e logo pedindo ao garçom o primeiro trago.
Outros pistoleiros da região o olharam com certo ar de condenação e inveja, mas o brilho questionador e a tonalidade inquietante de suas pupilas não deixavam dúvidas: Não estava ali pra brincadeiras, e não seria nenhum matuto de Texas City que atrapalharia a sua noite.
As cortesãs do recinto se alvoroçaram, procurando saber quem era o distinto cavalheiro, desconhecido por aquelas bandas.
Com seu porte físico avantajado e sua voz invariavelmente rouca, nosso herói costumava chamar a atenção do mulherio, mesmo sem dar início aos galanteios, que eram, na realidade, o seu grande forte.
Entre um e outro trago, lançava olhares lancinantes às jovens incautas, que correspondiam suas intenções com sutilezas mil, mas tentavam desesperadamente esconder suas vontades sob a capciosa máscara da moralidade.
Com sua vítima devidamente escolhida dentre o rebanho, pôs-se a andar na direção da presa, sem desviar o olhar de predador.
O bote foi certeiro e a presa não teve a menor chance, uma vez que o caçador, mesmo sozinho, trazia consigo alguns capangas.
A saída da direita foi coberta pelo terrível Fernando “the dirty” Pessoa, e a da esquerda, pelo imundo Vinícius “crazy horse” Moraes.
E assim, como ele se posicionara bem no front do tiroteio, um beijo foi inevitável.
Conversas singelas e abraços impetuosos seguiram-se sob as bênçãos da lua, e ao final da noitada, a jovem ainda fez questão de levá-lo, em sua própria carruagem, ao o hotel onde estava hospedado.
Naquela noite, o destino não o permitiu mostrá-la a magia do amor siciliano, mas este era um detalhe sem grande importância, já que ela, na ânsia de reencontrar o célebre bandoleiro, haveria de voltar.
Ele, já tão cansado pelo furor da boemia, dormiu envolto em tranqüilidade, e sonhou como há tempos já não sonhava.
Sonhou com uma jovem misteriosa, de cabelos escuros e pele alva, com a qual corria de mãos dadas sob os parreirais sicilianos.
Ao acordar, ainda havia em sua mente alguns resquícios adocicados do sonho fantástico, e então, em meio a um suspiro, praguejou:
- Ah... Se eu te pego, você nem sabe...

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4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

E nosso cowboy, ora sem destino pelas vielas do Texas, ora por parreirais conhecidos, sempre fazendo uso de seus fiéis companheiros para atingir o coração das donzelas: Vinicius e Fernando (com todos seus heterônimos). Isso sem contar a utilização da conhecida voz rouca para cantar Chico, desafinadamente, é fato (hahaha), porém sem perder a magia. Por isso há quem duvide que as dores são implacáveis, que o interior restrinja, e, principalmente, que a solidão o castiga.. A tal jovem morena deve saber que muitas outras jovens povoam os sonhos do galanteador cowboy, ouvindo os mesmos sussurros de poesias de Bilac.. mas não deixa de ter seu encanto.. não deixa de ser uma bela história de faroeste.
Beijos, meu querido!

2:54 PM  
Blogger magal said...

Os dias costumam ser implacaveis em Texas City. Enquanto o mato cresce, o olhar atento do nosso nômade protagonista, analisa as duras penas em que envolve-se uma vida marcada por cicatrizes. Algúem que aprendeu desde cedo a manejar um trabuco, invariavelmente, já se colocou em muitas situações para utiliza-lo. Uma trajetoria de indios e de cavalos, de vitórias e de lamentaçoes,de cortes profundos na alma, de fato uma lenda de amores e de traições. Assim que ele pousou seu estribo no coração do velho oeste, os primeiros pássaros cantarolaram diferente, cantarolaram num misto de dor e roquidão, o vento frio oruqestrava as janelas e as damas do local, conhecidas pelo seu agussadissimo sexto sentido, preveram o pior.
Estava por chegar o grande Lobo Branco, o grande senhor das cartas, àquele que maneja uma navalha como se fosse seu melhor amigo, e é da navalha que poderia vir a grande desgraça. Suas lâminas mortíferas que em tantos ja cravou seu fio, fazia agora prisioneiro o Maverick dos pinheirais,o Billy the kidd do sul, o temido Meg-Magal...
Ele carregava naqueles olhos pesados uma série de corações dilascerados e a última vez que ouvi falar dele, ele se preparava para uma investida num destes saloons por ai, quem sabe fosse a última antes de ser vencido pelas lâminas cortantes. Era sua batalha final e Dr Brehm,sinseceramente, fico muito feliz que nosso anti-herói tenha se dado bem na misteriosa Texas City... aos poucos eu nao duvidava que se acostumaria com o cheiro daquela capoeira...
Vamos lá, espero marcaramos um bom jack daniels nós três, quem sabe ate o fim do inverno.
Abraço, Felipe.

4:03 PM  
Anonymous Anônimo said...

Esse cowboy de voz rouca inconfundível e espertamente poeta, conquistador, chega a nova texas city para apoderar-se dos corações das novas tolas donzelas que ali já habitavam, sempre a espera do inesperado e ao mesmo tempo inevitável .Aquele cowboy,com o intuito de transformar a pacata city numa pulsosa história de bang-bang, sem claro olvidar-se de confiar no seu sexto sentido tão absurdamente aguçado e certeiro. Vamos lá, espero que este inverno tenha um fim um tanto quanto distante.

3:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

Nem a aridez da paisagem, nem as marcas indeléveis de vários duelos, nem as imprecações de donzelas desiludidas afastavam a brisa do olhar daquele típico homem do Oeste, cuja a cor da pele se confundia imediatamente com o solo seco e estéril dos confins do Texas, onde Deus, com certeza, não costumava prestar muito serviços em favor dos pobres diabos que por desdita arrastavam seus pés calejados sobre aquela terra sem dono. O mesmo olhar de brisa que aterrorizava os oponentes, em tempos imemoriais,trazia consigo um sem-número de corações arrebatados pelo mito da valentia. E não é que as vezes nos sentimos cowboys desbravando uma terra árida? Você tem toda razão, meu Marcos Alfred. Um grande abraço.

10:40 AM  

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