domingo, julho 06, 2008

I don't want to stay here...

Sinto um forte nó na garganta quando escuto alguém dizer que é de Salvador, Bahia. Um sentimento que pode ser definido como uma miscelânea de tristeza, inveja e desalento, quase sempre seguido de um suspiro sincero, de quem já sabe que existe um mundo muito melhor lá pra cima das bandas de Campina Grande do Sul...

Nasci e fui criado na fria e cinzenta capital paranaense, onde estabeleço residência até o presente momento, e desconfio que essa minha mágoa tenha nascido aos poucos, durante as duas vezes em que visitei a capital da alegria.

Há quem ache um exagero de minha parte, mas acredito que o ar daquele lugar contenha certa dose de felicidade no seu estado mais puro. Tanto é, que pessoas com pulmões desacostumados a respirar o ar baiano, podem apresentar alguns efeitos colaterais, como ataques de riso inexplicáveis, alegria convulsiva, ou até diarréia, sendo que esta última costuma ser injustamente atribuída ao acarajé e a tantos outros quitutes a base de muito óleo de dendê e pimenta.

Não costumo e nem gosto de falar sobre o assunto, mas em virtude de certas complicações clínico-geográficas no momento do parto, não pude ter uma vida normal, feliz e saudável: Ao invés de nascer em Salvador, acabei vindo ao mundo na gélida capital paranaense.

Portanto, como já iniciei a vida num engano ardiloso, já não tenho a menor sombra de dúvidas de que o universo conspira contra minha pessoa.

E pra piorar o quadro patológico, quando ainda bebê, acabei criando alguns problemas crônicos de saúde, como pele branca, cabelo loiro e olhos azuis. Sintomas típicos de pessoas não adaptadas ao astro rei, logo, condenadas a viver o resto de suas vidas a base de antídotos extremamente inconvenientes, tais como filtro solar fator trinta, guarda-sol, as mais estranhas pomadas e cremes para queimaduras, além do remédio universal contra a desidratação (ao menos, da alma): a cerveja.

Poderia ser pior, claro.

Porém não tenho a menor sombra de dúvida de que houve um erro logístico deste palerma inescrupuloso, chamado Destino: Eu, por óbvio, deveria ter nascido na capital baiana.

Aliás, sou praticamente um baiano, ao menos no tocante à agilidade do espírito, e ao controle de estresse. Só me faltam o verão eterno e um berimbau.

E pra quem não achou história suficientemente triste, além de todas estas mazelas, ainda há mais um infortúnio a ser gentilmente incluído nos anais da biografia deste que vos escreve estas mal traçadas: Fui acabar estudando engenharia elétrica.

Assim sendo, acabei me tornando um cara entediado, sem sol, sem mar, pálido (mais especificamente, cor-de-rosa), e proprietário de um “bimbim” (nada assombroso, mas até quebra um galho), enquanto poderia ser um afro-descendente descolado, exímio tocador de pandeiro e enganador de turistas, que arrepia na capoeira, mora na beira da praia e tem um “membro” de assustar as donzelas mais exigentes.

Em suma: Minha situação é lamentável.

E tudo isso por culpa dum pássaro estúpido que, provavelmente embriagado, errou as coordenadas do destino.

Um erro crasso duma cegonha parva, e que já não pode mais ser corrigido.

Como diabos alguém consegue confundir o elevador Lacerda com a Torre da Telepar, ou então, o farol da Barra com a caixa d’água do alto da XV??

Nada contra o bom e velho Largo da Ordem, que por ostentar um paradoxo no próprio nome tem lá a sua magia, mas que, convenhamos: Não chega ao nível de regozijo ecumênico encontrado no célebre Pelourinho.

O que mais precisa ser comparado? O cândido desfile de carnaval da Avenida Cândido de Abreu, e a folia “ad eternum” da capital baiana?

Ou quem sabe, um marzão azul, quase infinito, e o adubado lago do parque Barigüi?

É... Definitivamente, o inverno me incomoda.

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VOU-ME EMBORA PRA PASSÁRGADA

Por Manuel Bandeira

Vou-me embora pra Passárgada

Lá sou amigo do rei

Lá tenho a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Passárgada

(...)

Em Passárgada tem tudo

É outra civilização

Tem um processo seguro

De impedir a concepção

Tem telefone automático

Tem alcalóide à vontade

Tem prostitutas bonitas

Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite me der

Vontade de me matar

- Lá sou amigo do rei -

Terei a mulher que eu quero

Na cama que escolherei

Vou-me embora pra Passárgada.

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4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Queridissimo Dr. Brehm, para aplacar essa sua amargura.. acho que a partir de hoje o chamarei de "Baiano".. pra você se sentir um pouco parte da comunidade..
Já eu nasci no lugar certo.. sou mesmo uma paulista nojentinha e metida.. não sou simpática, nem bronzeada o suficiente para ser baiana.. mas tb não sou tão "sociopata" para ser curitibana.. sou só mais uma paulista que acha que São Paulo é meu país.. hahahaha
Beijos, aproveite que hoje a cidade mais cinza do Brasil está ensolarada.. dia de "caminhada"!:-p

3:11 PM  
Anonymous Anônimo said...

...I wanna to go back to Bahia

hahahahahahahaha
ficou ótimo, fora umas inverdades tipo "verão eterno".
se o sr quer saber estamos em pleno inverno aqui, tudo bem cinza e molhado, muita chuva e ventania, as pessoas (eu inclusive) completamente amarelas-desbotadas, rs rs rs

e aí, quer mais??

mas quero dizer que concordo com o astral e a alegria que compõe o ar salinizado que respiramos, eu sinto, aqui felicidade se respira, rs.

beijos
(adorei o texto!)
;-)

4:40 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ah Castorzinho, que eu também dei azar. Nasci na serra fluminense, e vivo congelada.
Alguém sabe me explicar porquê as residências não tem a menooooor infra pro frio?
Ninguém merece. E calor por calor eu acho que preferia ter nascido num lugar quente que pagasse em dólares, ou Euros (mas aí acho que seria impossível, climaticamente falando).
Solidária,

10:49 AM  
Anonymous Anônimo said...

Ah, também dei azar, amoreco. Serra fluminense. Friaca da (#@#@. Saí de casa hoje com 7º, mas parecia menos.
Bezzos solidários,

10:50 AM  

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