I don't want to stay here...
Sinto um forte nó na garganta quando escuto alguém dizer que é de Salvador, Bahia. Um sentimento que pode ser definido como uma miscelânea de tristeza, inveja e desalento, quase sempre seguido de um suspiro sincero, de quem já sabe que existe um mundo muito melhor lá pra cima das bandas de Campina Grande do Sul...
Nasci e fui criado na fria e cinzenta capital paranaense, onde estabeleço residência até o presente momento, e desconfio que essa minha mágoa tenha nascido aos poucos, durante as duas vezes em que visitei a capital da alegria.
Há quem ache um exagero de minha parte, mas acredito que o ar daquele lugar contenha certa dose de felicidade no seu estado mais puro. Tanto é, que pessoas com pulmões desacostumados a respirar o ar baiano, podem apresentar alguns efeitos colaterais, como ataques de riso inexplicáveis, alegria convulsiva, ou até diarréia, sendo que esta última costuma ser injustamente atribuída ao acarajé e a tantos outros quitutes a base de muito óleo de dendê e pimenta.
Não costumo e nem gosto de falar sobre o assunto, mas em virtude de certas complicações clínico-geográficas no momento do parto, não pude ter uma vida normal, feliz e saudável: Ao invés de nascer em Salvador, acabei vindo ao mundo na gélida capital paranaense.
Portanto, como já iniciei a vida num engano ardiloso, já não tenho a menor sombra de dúvidas de que o universo conspira contra minha pessoa.
E pra piorar o quadro patológico, quando ainda bebê, acabei criando alguns problemas crônicos de saúde, como pele branca, cabelo loiro e olhos azuis. Sintomas típicos de pessoas não adaptadas ao astro rei, logo, condenadas a viver o resto de suas vidas a base de antídotos extremamente inconvenientes, tais como filtro solar fator trinta, guarda-sol, as mais estranhas pomadas e cremes para queimaduras, além do remédio universal contra a desidratação (ao menos, da alma): a cerveja.
Poderia ser pior, claro.
Porém não tenho a menor sombra de dúvida de que houve um erro logístico deste palerma inescrupuloso, chamado Destino: Eu, por óbvio, deveria ter nascido na capital baiana.
Aliás, sou praticamente um baiano, ao menos no tocante à agilidade do espírito, e ao controle de estresse. Só me faltam o verão eterno e um berimbau.
E pra quem não achou história suficientemente triste, além de todas estas mazelas, ainda há mais um infortúnio a ser gentilmente incluído nos anais da biografia deste que vos escreve estas mal traçadas: Fui acabar estudando engenharia elétrica.
Assim sendo, acabei me tornando um cara entediado, sem sol, sem mar, pálido (mais especificamente, cor-de-rosa), e proprietário de um “bimbim” (nada assombroso, mas até quebra um galho), enquanto poderia ser um afro-descendente descolado, exímio tocador de pandeiro e enganador de turistas, que arrepia na capoeira, mora na beira da praia e tem um “membro” de assustar as donzelas mais exigentes.
Em suma: Minha situação é lamentável.
E tudo isso por culpa dum pássaro estúpido que, provavelmente embriagado, errou as coordenadas do destino.
Um erro crasso duma cegonha parva, e que já não pode mais ser corrigido.
Como diabos alguém consegue confundir o elevador Lacerda com a Torre da Telepar, ou então, o farol da Barra com a caixa d’água do alto da XV??
Nada contra o bom e velho Largo da Ordem, que por ostentar um paradoxo no próprio nome tem lá a sua magia, mas que, convenhamos: Não chega ao nível de regozijo ecumênico encontrado no célebre Pelourinho.
O que mais precisa ser comparado? O cândido desfile de carnaval da Avenida Cândido de Abreu, e a folia “ad eternum” da capital baiana?
Ou quem sabe, um marzão azul, quase infinito, e o adubado lago do parque Barigüi?
É... Definitivamente, o inverno me incomoda.
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VOU-ME EMBORA PRA PASSÁRGADA
Por Manuel Bandeira
Vou-me embora pra Passárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada
(...)
Em Passárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Passárgada.
Marcadores: acarajé, Bahia, Curitiba, Largo da Ordem, Pelourinho, Praia, Salvador
4 Comments:
Queridissimo Dr. Brehm, para aplacar essa sua amargura.. acho que a partir de hoje o chamarei de "Baiano".. pra você se sentir um pouco parte da comunidade..
Já eu nasci no lugar certo.. sou mesmo uma paulista nojentinha e metida.. não sou simpática, nem bronzeada o suficiente para ser baiana.. mas tb não sou tão "sociopata" para ser curitibana.. sou só mais uma paulista que acha que São Paulo é meu país.. hahahaha
Beijos, aproveite que hoje a cidade mais cinza do Brasil está ensolarada.. dia de "caminhada"!:-p
...I wanna to go back to Bahia
hahahahahahahaha
ficou ótimo, fora umas inverdades tipo "verão eterno".
se o sr quer saber estamos em pleno inverno aqui, tudo bem cinza e molhado, muita chuva e ventania, as pessoas (eu inclusive) completamente amarelas-desbotadas, rs rs rs
e aí, quer mais??
mas quero dizer que concordo com o astral e a alegria que compõe o ar salinizado que respiramos, eu sinto, aqui felicidade se respira, rs.
beijos
(adorei o texto!)
;-)
Ah Castorzinho, que eu também dei azar. Nasci na serra fluminense, e vivo congelada.
Alguém sabe me explicar porquê as residências não tem a menooooor infra pro frio?
Ninguém merece. E calor por calor eu acho que preferia ter nascido num lugar quente que pagasse em dólares, ou Euros (mas aí acho que seria impossível, climaticamente falando).
Solidária,
Ah, também dei azar, amoreco. Serra fluminense. Friaca da (#@#@. Saí de casa hoje com 7º, mas parecia menos.
Bezzos solidários,
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