segunda-feira, setembro 22, 2008

CID A083

Certas doenças, muito embora não fatais (pelo menos na forma standard), possuem a surpreendente capacidade de aniquilar qualquer vestígio de dignidade humana.
Um exemplo típico é a diarréia.
Dois dias de infortúnio, e a única coisa que ainda me resta totalmente sólida é o caráter, e quem sabe uma ou outra partezinha da moral, mesmo que deveras abalada.
No mais, esvaem-se as impurezas liquefeitas ou então de consistência pastosa, quando muito.
Como se não bastasse a perda de dignidade intrínseca à atividade em questão, como assaduras cinematográficas em regiões que não conhecem o brilho do astro rei ou proeminentes marcas de freada na retaguarda de peças íntimas, como não poderia deixar de acontecer a nós, os Barbosas (vide copa de 50), sempre hão de surgir novos empecilhos de ordem conspiratória.
Nesta última segunda feira (o que poderia se esperar de uma segunda-feira?) alguns chamados da natureza de caráter emergencial durante a madrugada me fizeram concluir que a possibilidade de trabalhar e manter as calças limpas simultaneamente seria muito improvável. Resolvi, portanto, enforcar a labuta e ir ao médico, afinal, havia o plano de saúde da empresa. Hospital chique, metido a bacana... O que poderia dar errado?
Foram quase três horas esperando o maldito médico. As duas primeiras horas foram até que foram aceitáveis... A última meia hora pareceu uma eternidade.
A pior parte foi ler as inúmeras plaquetinhas nos balcões de atendimento descrevendo a missão, os valores e as diretrizes do hospital, que eram algo do tipo: ser o melhor prestador de serviços médicos do sul do mundo, amar ao próximo como a ti mesmo e acabar com as doenças universais, respectivamente.
No final do longo período de espera, já desejava, do fundo do meu coração, enfiar gentilmente a carteirinha do plano de saúde junto com a tal plaquetinha no reto da atendente do balcão.
Àquelas horas eu já me arrependia amargamente por não ter ido a um posto de saúde qualquer do SUS. Afinal, se for pra ficar horas esperando, que seja num posto de saúde, onde eu não seria a figura mais grotesca do lugar, mesmo que completamente cagado.
Mas eu agüentei. E foi exatamente entre a vontade de correr pra "casa de força" e o medo de perder a minha vez no atendimento e ter que esperar mais três horas, que residiu minha bravura. E então, posto que o sol brilhe até pra cachorro (a sombra é que aparece só pra um ou outro), eis que chega minha vez.
Para minha sorte (sorte?), a consulta médica foi rápida. Durou apenas o tempo necessário para se ratificar o óbvio: A chave era hidratação e reconstituição da flora intestinal. Assim, o doutor receitou algumas amenidades e o resto caberia à própria natureza. Definitivamente, um diagnóstico fenomenal. Coisa de gênio.
De qualquer forma, a consulta foi útil para dois propósitos: Certificar-me de que não possuía nenhuma doença bizarra que poderia me matar em poucos dias e que um clínico geral de pouca experiência (como o médico que me atendeu) dificilmente diagnosticaria; e conseguir um atestado para amenizar meu saldo devedor no “banco de horas” da firma (como se o “banco de dinheiro” não fosse mazela suficiente).
De atestado em punho e já com princípio de câimbra no esfíncter, fui levado de volta para o conforto do lar. Durante o percurso, feito, aliás, em tempo recorde por minha dulcíssima respectiva (Claudinha, que devia tentar entrar no ramo de pilotagem estilo “velocidade na terra”), tive até alguns pensamentos eróticos que envolviam o vaso sanitário e o assento da privada. Mas, como de costume, no final tudo se resolveu.
Cheguei ao banheiro em tempo hábil e a ordem natural das coisas foi seguida. A cerâmica agüentou a pressão, e essas horas o resultado da operação deve estar navegando sob ventos tranqüilos pelo lago do parque General Iberê de Mattos (vulgo parque Bacacheri).
Felizmente, tanto minha dignidade quanto o asseio do banco do carro da Claudinha foram devidamente preservados.
Amém.

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8 Comments:

Blogger Felipe "Tito" Belão said...

Marcão, vou te explicar que esse tipo de coisas vc trata com atendimento eletivo e não no PS que é para urgência e emergência, por isso vc esperou tanto e correu o risco de perder a moral.. hauahuah

7:43 PM  
Anonymous Anônimo said...

Esta contenda travada entre a ordem natural das coisas e a dignidade humana é quase sempre uma tarefa inglória... Quem nunca andou contorcido, suando frio, temendo com a possibilidade de, a qualquer momento, não mais resistir e ceder a pressão?

11:00 AM  
Anonymous Anônimo said...

Essas intempéries de ordem gastrocéfalointestinal são um problema grave mesmo!! Mas creio que caiba aí uma ação por danos morais, tendo em vista que o "tio do prensadão" agiu de má fé quando lhe entregou o artefato bélico "com duas vina", consequentemente caracterizando o dolo em atingir a sua moral(e também alguns órgãos internos), cuja integridade é resguardada pelo nosso estatuto pátrio e confirmada por extensa jurisprudência..!

1:52 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ilustríssimo.. devo dizer que depois que o conheci passei a enxergar a rotineira ida ao banheiro de outra forma.. talvez pelas nossas discussões tão fenomenais a respeito, talvez pelos sms poéticos “tô me limpando em braile”.. mas são apenas divagações... Mas de qualquer forma.. é como dizem.. pode-se viver com dignidade, mas não se pode ter uma crise de diarréia com ela..
EXCELENTE compartilhamento de experiências de vida.. no mais.. água de coco, meu querido.. água de coco... (se achar muito radical a mudança de bebida.. misture vodka com água de coco.. afinal, tudo é melhor com vodka, não?)
Beijos

3:11 PM  
Anonymous Anônimo said...

Definitivamente você tem algum tipo de dom! hahaha só o comentário no meu blog me deixou rindo por horas (alias muito obrigada, você escreveu EXATAMENTE o que eu queria ter escrito haha mas que possívelmente não teria vez na Capricho hahahahahahha) e essa foi uma bela narrativa de uma odisseia médica ;P
Minha sorte que os hospitais de Joinville são um pouco mais eficientes, as vezes os clínicos gerais erram no medicamento e causam reações alérgicas, mas nada que tenha me levado a morte ;P

4:22 PM  
Blogger Tamara said...

hahaha MUITO bom! Muito bom mesmo. Quem diria que uma crise dessas ia render um texto tão interessante.

"tive até alguns pensamentos eróticos que envolviam o vaso sanitário e o assento da privada"

Adorei!

9:41 AM  
Anonymous Anônimo said...

Well, espero que o Otto já tenha tido seu pai de volta. rs.

Melhoras!

2:06 PM  
Anonymous Anônimo said...

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