quarta-feira, setembro 10, 2008

Fim da humanidade: Um conto de quase-ficção.

Prefácio:
Sinto-me um pouco entediado com o mundo.
De repente, frustrado pela existência insistente dessa tal de humanidade.
Afinal, infelizmente, quiçá por puro sarcasmo do criador, o dito cujo acelerador de partículas acabou não engolindo a Terra...
E assim, como a tal geringonça não cumpriu seu papel, resolvi instituir o apocalipse por conta própria.
Talvez movido por um romantismo jocoso, que me é tão peculiar, escolhi a hipótese de “doença contagiosa”.
No mais, segue a sucinta obra de “quase-ficção”.
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A moléstia não mais os permitia sair de casa. Assim sendo, não havia como saber a real extensão do surto.
Há pouco tempo atrás, mesmo que já contaminados, ainda conseguiam andar pelas ruas mais próximas.
Agora, não havia mais como. Simplesmente, não era mais possível.
A televisão e o rádio já não transmitiam nada há dias. Semanas. Meses.
A doença já teria alcançado os limites da cidade? Do país? Ou então, já teria contaminado toda a humanidade?
Não havia como sair dali, logo, não havia também como saber...
Agora restava a eles apenas esperar por ajuda.
Porém, a ajuda de quem, se praticamente todos estavam contaminados?
Sabiam que talvez tal ajuda não fosse nem mais chegar... Àquelas horas, a esperança era escassa.
E, dada a patologia da doença, a situação agravava-se em progressão geométrica.
Alimentos e demais artigos de primeira necessidade chegavam ali apenas através de alguns poucos entregadores, que, mesmo indispostos pelo mesmo mal, ainda arriscavam-se a sair da toca. O mundo tornara-se um caos completo.
Sem nenhuma razão aparente, mulheres abortavam suas crianças prematuramente, e até então nunca se havia registrado tantos casos de morte súbita e suicídios.
A intolerância, sempre tão difundida pelo planeta, tornara-se a única regra de conduta.
Era o fim do reinado do Homo Sapiens Sapiens.
Já prevendo o pior, enfurnados no sótão da casa, a única diversão do casal era relembrar momentos tranqüilos de outrora, que, por alguma razão, insistiam em permanecer retidos em suas débeis retinas.
Em especial, tinham muita pena do pobre rebento, que, no auge dos seus três anos de vida, não escapara do contágio. Desde muito cedo já apresentava os mesmos sintomas.
Como muito bem sabiam, crianças tinham uma maior resistência a tal enfermidade. Porém, a ineficiência de quaisquer tratamentos somada à tenra idade do guri insistia em ceifar qualquer esperança dos seus espíritos, já devidamente desenganados.
Arrependeram-se, mesmo que tardiamente, por não terem seguido as recomendações de uns poucos visionários que, tal qual profetas do apocalipse, tentaram desesperadamente advertir à multidão cega e ensurdecida, que, se tomadas algumas precauções, crianças de colo ainda poderiam ser salvas.
Mas, como de praxe, em nome da razão pura, tais sábios foram sumariamente ignorados pelos demais, e, sem maiores questionamentos, foram tidos como loucos ensandecidos.
Agora restava apenas esperar pelo pior.
Vírus ou bactérias poderiam ser controlados. Enchentes, furacões ou terremotos, por mais terríveis que fossem, poderiam deixar sobreviventes como sementes para uma nova civilização. Até mesmo guerras atômicas poderiam deixar resquícios de humanidade.
Aliás, todas estas e tantas outras possibilidades apocalípticas já haviam sido suscitadas em obras de ficção.
Contudo, não havia sequer como desconfiar de uma possível peste de ordem psíquica. Espiritual, por assim dizer.
Não havia como prever que um mal tão sutil e corriqueiro pudesse alastrar-se àquele ponto.
Num passado recente, acreditava-se até que tal problema seria uma defesa natural, e, portanto, inofensiva.
Alguns faziam até mesmo questão de difundir tal conceito. Afinal o mesmo, em certas circunstâncias, tornava-se algo extremamente lucrativo.
Porém, em grande escala, o problema cresceu descontroladamente. Tomou forma de pandemia, e alastrou-se inexplicavelmente. Fez inúmeras vítimas.
Todos haviam se contaminado.
Na realidade, nem todos. Um ser humano derradeiro ainda restava são, quiçá na ânsia de curar os demais. O último idealista, talvez.
Todavia, como muito bem se sabe, idealismo é produto perecível, e, como não poderia deixar de ser, este também pereceu.
A última esperança da espécie, ao ver a real amplitude da situação, passou a compartilhar os mesmos sintomas.
Sua mão começou a suar, e um calafrio inexplicável percorreu sua espinha enquanto seu rosto ia perdendo a cor. Uma angústia paralisante o tomou por completo.
E foi assim que este último idealista, tal qual o resto dos seus, de forma arrebatadora, inexplicável e implacável, provou do grande mal que todos há muito sofriam: Pela primeira vez, sem qualquer razão plausível, também sentiu medo.
Medo de todos e de ninguém.
Medo de tudo e de nada.
Medo crônico e agudo.
Tudo de uma vez só.
Em suma, sentiu o pior de todos os medos: O tal medo de viver.

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13 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Where's that smile? That laugh that makes the whole world sunny without contributing to global warming... hein? hein? hahahaha

Ainda bem que a humanidade não foi extinta ainda.. não tomamos todas as cervejas, bacardis, vodkas, uísque (mesmo uísque não sendo de Deus) que deveríamos ter tomado.. ser exterminado antes de cumprir a missão na terra é coisa de franguinho!
Beijos, meu querido

4:16 PM  
Anonymous Anônimo said...

Tranquilize esta rota carcaça, meu caro Marcos Alfred. A humanidade continua ai, não sucumbimos a aceleração dos prótons e a formação do suposto "buraco negro" que tragaria todo universo, como os profetas apolíptcos de plantão previram.
Entretanto, não posso deixar de notar a sanha do homem em dominar a matéria, é a necessidade do homem de não se satisfazer enquanto tudo no universo estiver sobre o seu pleno domínio, para daí extrair o que lhe convier da descoberta. Um dia descobriram que o átomo era divisível e que era capaz de liberar quantidades enormes de energia...Todos sabemos o desfecho da história.

4:31 PM  
Blogger Canteiro Pessoal said...

Este comentário foi removido pelo autor.

12:38 AM  
Anonymous Anônimo said...

Olá !!! Visita feita ao seu canteiro !!!
Lindos dias !!!
Paz !!!

12:41 AM  
Blogger Canteiro Pessoal said...

Olá !!! Visita feita ao seu canteiro !!!
Lindos dias !!!
Paz !!!

12:46 AM  
Blogger Fernanda in Dublin said...

Esse conto ta me cheirando sindrome do panico em escala mundial :-D

5:39 AM  
Anonymous Anônimo said...

Bom, de repente se esse tal "derradeiro ser humano idealista" fosse o Magaiver... e ele tivesse 2 côcos, 1 canivete, 1 lápis preto número 2 e 1 palito de fósforo, conseguisse dar um jeito, né não? Tipo, ele inventaria alguma geringonça que soltasse raios de esperança, que tomaria os pobres seres humanos fechados em suas casas, livrando-os da estranha síndrome. Ou o Chuck Norris poderia passar de casa em casa, dando petelecos na orelha dos cagalhões... Ou ainda, Cap. Nascimento, seus tapas estalados na cara e a máxima "tá com medinho, porra! tu tá com medinho???"

Em todo caso... penso o seguinte: as doenças do espírito, as que comprometem a alma, são mesmo o mal dos nossos tempos.

Beijão!

10:22 AM  
Blogger Felipe "Tito" Belão said...

caralho, marcowitz!

não tenho como comentar direito... só penso em dizer que o medo de viver sempre vem em decorrência de não se saber o porquê ou encontrar motivos para tal...

quando se encontra, todo mundo faz uma força...

mto bom... um dos melhores que encontrei por aqui

1:43 PM  
Blogger Tamara said...

tenho medo de nunca conseguir escrever um texto como o seu.

muito bom!

agora, posso te perguntar?
o que quer dizer: ensimesmando? :)

11:04 AM  
Anonymous Anônimo said...

És um poeta, amigo Ensimesmado. Eu penso parecido com você (e como o Cazuza)... 'essa gente careta e covarde'. Ainda bem que 2 ou 3 amigos e um punhado de blogueiros inteligentes e pensantes ainda habitam a blogosfera.
Teu post me lembrou o Ensaio sobre a Cegueira, que aliás, ainda não vi.
Anyway... parabéns. Belíssimo texto. E falar da "existência insistente dessa tal de humanidade." eu substituiria por "existência inesistente dessa tal de humanidade".
Clap clap.

Bezzos na família e uma bitoquita estalada em pequeno Otto.

6:03 PM  
Blogger Rafael said...

Muito bom cara! Nada como um bom e inovador cenário apocalíptico pra renovar o ânimo e restaurar e esperança perdida... É, restaurar a falta de esperança.

É mesmo uma lástima. Eu também esperava ansioso pelos resultados dos testes com o LHC - embora meus professores de física descartassem a possibilidade de um buraco negro.

Mas ainda é possível ter uma diversão e tanto com aquilo! Adoraria ser eletrizado e acelerado a 99,99...% da velocidade da luz! Seria o primeiro a morrer rápido assim... Morte relâmpago! Haha (Sacou o trocadilho? Morte relâmpago!) Tá, esquece.

E quanto ao medo, creio não haja melhor remédio além de um bom copo de leite e uma considerável dose de benzina.

Até a próxima e não aceite doces de estranhos! Só se forem aqueles doces bons...

8:31 PM  
Blogger Marcos Rocha said...

Putz, ainda não é desta vez que os fisicos realizam o sonho do homem desde os primórdios da humanidade: a destruicao do mundo. Deve ser porque nao dá pra patentar depois.

11:30 PM  
Blogger magal said...

De fato que os dias não sai mais os mesmos. A velha angústia indefenida, corroborada por doses cavalares de labor sem sentido, misturado com pitadas de desilusões ideológicas, faz do pobre Homo Sapiens Sapiens um sujeito viajante. De alma e aura passageira. Vendida, em suma, por não ser contentada. A vontade de rebentar as fendas desta teia consumista de Estado Democratico hipócrita nos leva às crises econômicas e quedas acentuadas em Bolsas de especulação pelo mundo, ou deveriamos acreditar no Pecado Original da IC(me recuso a escrever esse nome completo)que nos aponta como meros seres que devem ser punidos?O fim seria o fim, ou seria o começo? Sei lá, só sei que o caos nunca foi tão discutido entre blogueiros de plantão, bêbados filósofos de bar, ou quiça, frequentadores de rodinhas da erva maldita. Uso da velha máxima para dizer que a situação é grave e a solução é greve. O medo que nos entorpece anda aos mesmos passos de uma vontade enorme de explosão. A sátira da vida pós-moderna é encontrar todos os recursos para sanar problemas de ordem tecnológica para o conforto humano e perdurar a encarnação fatídica com a alma enubriada de medo e insatisfação. Salve mesmo Epicuro, este sim só se preocupava em ser feliz. Difícil, ou nem tanto? Eu ja aderi, faço greve em bares e afins.

5:51 PM  

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