segunda-feira, agosto 16, 2010

A água potável e a merda

Dia desses, ao zanzar os ouvidos pelas rádios da capital paranaense, escutei a seguinte frase, em tom profético-inquisitório:
“ Se todos os habitantes de São Paulo fechassem a torneira ao escovarem os dentes, todo dia seria economizada água equivalente à que cai nas cataratas do Iguaçu por 9 minutos.”
É realmente uma informação impressionante. Quase tão impressionante quanto impertinente. Afinal, convenhamos: Quando todos os habitantes de São Paulo fecharem a torneira toda vez que escovam os dentes, provavelmente também veremos toda a sorte de sinais apocalípticos, como bestas de sete cabeças emergindo do rio Tietê e devorando motoboys, ou então milhares de ambulantes vendendo guarda-chuvas de amianto (próprios para chuva de enxofre, por delão) nos congestionamentos da marginal.
Eu poderia até, a título de exemplo, dizer sem medo de não mais ser aprovado no teste da farinha: Quando todos os habitantes de São Paulo fecharem a torneira toda vez que escovam os dentes, eu viro travesti.
Afinal, num grupo de vinte milhões de pessoas certamente haveria alguns bons exemplares do cidadão que, com a torneira e o chuveiro abertos enquanto escova os dentes, mandaria os demais enfiarem o altruísmo em locais não muito adequados para um sentimento tão nobre.
Gostaria, por mera curiosidade, de saber a colaboração do desperdício de água durante a escovação de dentes frente ao uso de água em atividades agrícolas ou industriais, afinal, a comparação com minutos de água passando nas cataratas do Iguaçu não me diz muita coisa.
Se o problema é diminuir o desperdício de água potável, diria que a ordem natural das coisas nos obriga a atacar antes os maiores ofensores, e não fatores de ordem aleatória. Ignorar todo e qualquer método me soa algo como, por exemplo, inibir o consumo de feijão branco e chucrute para atenuar a liberação de metano na atmosfera: Uma idéia plausível, mas tremendamente imbecil.
Quanto ao problema da água, especificamente, diria que há muito que fazer antes de incomodar o cidadão médio durante sua higiene bucal. Aliás, não raramente me flagro pensando no que responder ao jovem Otto (minha prole), quando este tiver sagacidade suficiente para perguntar:
- Velho, me diga uma coisa: se a água potável é um recurso natural tão escasso assim, porque a jogamos, em grande quantidade e todo dia, na nossa merda?
E é por isso que perguntas como “Pai, como foi que eu nasci?” ou “Pai, o que é sexo?” me parecem cada vez mais tranqüilas de serem respondidas.
Aos que também jogam água tratada todos os dias em cima do coco, deixo um consolo: Vocês não estão sozinhos.
Aos que não jogam água tratada todos os dias em cima do coco, deixo meus sinceros parabéns, ou então, mais provavelmente, uma dica: Comam mais fibra.

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