quinta-feira, maio 29, 2008

Cartas aos ETs, parte IV – Guerras, lutas e afins

Continuação da carta aberta a todos os seres da espécie que vier a comandar essa fuzarca que chamamos de Terra quando terminarmos de nos matar, ou que vierem pra cá a fim de conhecer o carnaval de Salvador. O que acontecer antes.

Pra quem perdeu a primeira parte:

http://castor-ensimesmando.blogspot.com/2007/11/carta-aos-ets.html
Pra quem perdeu a segunda parte:

http://castor-ensimesmando.blogspot.com/2008/01/carta-aos-ets-parte-dois.html

Pra quem perdeu a terceira parte:

http://castor-ensimesmando.blogspot.com/2008/03/cartas-aos-ets-parte-iii-quando-tudo.html

Não é nenhum segredo que nós, seres humanos, temos uma forte afinidade com combates, pelejas e guerras, no sentido mais amplo possível.

Desde os tempos remotos, a civilização humana sempre teve grande fascínio por lutas entre os da mesma espécie, ou não, de caráter esportivo, ou não.

A autenticidade dos registros sobre a primeira luta entre dois humanos ainda é um pouco controversa, mas acredita-se que esta tenha acontecido há cerca de cento e cinqüenta e quatro mil, oitocentos e setenta e três anos atrás, e, como a maioria das encrencas que sucederam esta primeira peleja, teve como motivo a mulher alheia.

A mulher alheia, talvez por possuir certa magia transcendental, já ensejou inúmeros entreveros em passados distantes e recentes, e hoje em dia é estatisticamente o maior agente causador de guerras na humanidade, seguido pelo esbarrão não-intencional e logo depois, pela conta do bar. Cabe lembrar, que no intuito de apaziguar desavenças e transformar o mundo num local mais tranqüilo, há quem defenda a extinção do conceito de “mulher alheia”, como já acontece em alguns lugares específicos, chamados “casas de swing”. Porém, este é um assunto para outra ocasião, por ser merecedor de análises exaustivas e pormenorizadas. Quanto à conta do bar e ao esbarrão não-intencional, infelizmente ainda não há nenhuma solução efetiva.

De qualquer forma, logo após o advento dos primeiros arranca-rabos entre humanos, aqueles que não possuíam grande porte físico (comumente chamados de “baixinhos invocados”) perceberam a necessidade de se criar ferramentas no intuito de aumentar a eficiência do processo. Assim, criaram-se as primeiras armas.

Uma parte da comunidade científica ainda acredita que as primeiras armas tenham sido desenvolvidas com finalidade de caça, porém, não é necessário muita perspicácia ou grande conhecimento sobre a raça humana para perceber que tal teoria é completamente descabida de qualquer lógica.

Assim, foram criadas as primeiras armas e técnicas de luta, sendo algumas destas amplamente utilizadas até os dias de hoje, como a clássica “dedada no olho” ou o eficaz “chute nos grãos”, e atualmente a humanidade dispõe de um enorme leque de produtos e processos para arrebentarem-se uns aos outros, o que, ao nosso modo de ver as coisas, é um motivo de grande orgulho. Basicamente, o rol de opções vai do peteleco na orelha até a bomba de hidrogênio, passando por milhares de outras possibilidades.

A humanidade já provou ter uma capacidade inventiva admirável, ao menos quando o objetivo é ceifar a vida alheia. Vamos aos exemplos: Depois dum cidadão inventar um composto químico chamado de pólvora, empolgado com a possibilidade de criar lindos fogos de artifício, outro resolveu usar o produto para acelerar pedacinhos de chumbo, e matar gente... Da mesma forma, depois dum cidadão descobrir uma forma sensacional de criar muita energia a partir da fissão de núcleos de alguns elementos químicos, empolgado com a possibilidade se suprir a demanda energética da humanidade, outro resolveu usar a descoberta para explodir cidades inteiras, e por óbvio, matar gente... No fundo, a idéia principal é essa mesma: Matar gente.

Este fascínio humano por lutas, guerras e afins, acabou por desenvolver, ao longo da história, uma atividade tanto quanto peculiar: O lutador. Lutadores são as pessoas que se especializaram em brigar, profissionalmente ou não. Existem lutadores de várias modalidades, com suas respectivas técnicas e regras (e algumas vezes até sem quaisquer técnicas ou regras), que, ao derrotarem seus adversários, demonstram aos demais suas virtudes, tais como virilidade, masculinidade, superioridade e altivez. E em teoria poderiam, desta forma, impressionar as fêmeas da espécie.

Porém, há de se ressaltar que a masculinidade envolvida no processo já não é mais um ponto tão importante como já foi outrora, tendo em vista que o advento da dita “modernidade” ensejou a quebra de alguns paradigmas sociais de ordem sexual, e de quebra uma maior aceitação de certos comportamentos, que num passado recente eram considerados moralmente inaceitáveis. Isso fica claro se analisadas as características das lutas populares de, por exemplo, dois séculos atrás em comparação às popularizadas atualmente. Enquanto no passado dois cavalheiros podiam resolver suas diferenças socando-se mutuamente, mas de modo a manter certa distância um do outro, resguardando assim certa dignidade, hoje em dia não é raro ver dois camaradas suados e de sunga, a praticar agarramentos, abraços, e apertões que em muito lembram a prática do coito.

Pessoalmente, quiçá por carência de humanidade em meu espírito, não vejo grande graça em tais lutas de agarração. Até porque, do modo como a coisa a anda, imagino que a sunga não vá durar mais muito tempo...

Continua.

Marcadores: , , , , , , , , ,

segunda-feira, maio 12, 2008

Da canalhice intrínseca do ser humano

O bar estava cheio, e os sons de copos tilintando, conversas animadas e risadas nada suaves já inundavam o ambiente, como sinal de que o grau etílico dos presentes já beirava o nível sete da escala Richter.
Ele, que àquelas horas já tinha o status quo de dono da festa, visto que ao menos oitenta por cento do quórum do boteco estava ali para comemorar a passagem de mais uma primavera em sua vida, já sentia na alma as benesses de uma ou outra cerveja, tomada entre um ou outro copo de vodka.
Assim, um tanto desnorteado, mas ainda assim cheio de contentamento, resolveu parar para observar a cena.
Ele realmente gostava de bares. Era um ambiente no qual se sentia extremamente confortável e bem-vindo, ainda mais ali, num ambiente repleto de amizades.
Aquele momento mágico, em que o tempo havia parado por alguns instantes, só foi quebrado por uma sensação ruim na garganta, uma coceira inconveniente, que foi logo diagnosticada como sede. Assim, ao ver seu caneco vazio, apressou-se em se deslocar até o balcão do bar, onde ficava a chopeira.
Porém, foi barrado durante o percurso por um de seus colegas, que até aquele momento conversava afoitamente com uma donzela desconhecida, com seus vinte e tantos anos, quiçá três décadas completas. A moça aparentava uma boa safra, e ao menos àquela altura da madrugada, parecia razoavelmente bem feita de corpo.
Logo, era mais do que suficiente para receber alguns galanteios.
Cabe lembrar que este colega sempre fora um notório entusiástico da sinceridade exacerbada, e levava isso ao limiar da ignorância. Por assim dizer, sempre teve uma opinião invariavelmente generalista e ortodoxa em relação às mulheres.
Trocando em miúdos, era um camarada tanto quanto machista, e, ao menos no tocante aos métodos de sedução do sexo oposto, certamente não era o melhor exemplo de conduta ética.
Então, eis que este certo colega (cuja identidade ficará incólume a fim de evitarmos quaisquer inconvenientes) exclama num tom que esbanjava sinceridade, resguardando certo ar de amargura:
- Meu chapa, olhe só! Ela não acredita... Mas pode falar a verdade: Sou ou não sou viúvo?
Ele, escutando tal despropósito (afinal de contas, o outro nunca havia sido casado), percebeu um sorriso sutil escapando no canto da boca do interlocutor, e captou a mensagem de imediato. Tomado de ímpeto teatral, sem nem pestanejar, responde-o com feição de reprovação:
- Quantas vezes eu já te falei pra esquecer este assunto, camarada!? Isso já aconteceu há quase um ano, e quando finalmente você resolve sair um pouco pra tomar uma cerveja e se divertir, começa a relembrar o passado! Eu sei que você gostava muito dela, mas não há mais o que se fazer! Bola pra frente, companheiro! Tente esquecer isso, cara!
A resposta do colega foi um olhar de gratidão seguido de um olhar de tristeza, este segundo dirigido à moça, que notoriamente acreditou na história e se arrependeu sinceramente de ter duvidado da viuvez alheia. Aliás, como ela poderia ter sido tão insensível?
Após a incrível demonstração de seus dotes teatrais na resposta, ele se retirou de perto do casal, a fim de extravasar todas as risadas que estavam presas em algum lugar entre a laringe e o esôfago, e para, enfim, abastecer seu caneco.
Para os que desejam testar a técnica, ficam algumas dicas.
Provavelmente um “Sim, ele é viúvo” já teria dado conta do recado, mas nessas horas convém fazer tudo parecer o mais real possível. Titubear? Jamais!
Segundo o próprio inventor, a teoria que subsidia o esquema é justamente a de que as mulheres não querem homens solteiros, por saberem que muito provavelmente são canalhas (como estatisticamente já devem ter comprovado); não querem homens casados, por terem certeza que são canalhas; e também não querem homens separados, visto que alguém já teria atestado a canalhice destes.
Assim, no rol de opções (ao menos das opções “standard”, por assim dizer), a única modalidade realmente aceitável é a do sujeito “viúvo”, pois já foi casado por livre e espontânea vontade uma vez (e, portanto, pode ser uma segunda vez), mas infelizmente, por um acaso do destino, teve a vida de sua companheira ceifada de modo trágico e injusto (há de se apimentar a história, de acordo com a capacidade criativa de cada um).
Cafajeste? Desprezível? Talvez...
De qualquer forma, quanto à eficácia do plano, tendo em vista a meta inicial, pode-se dizer que os resultados foram ótimos, tanto do ponto de vista lúdico quanto amoroso...

Marcadores: , , , , , , , , ,

quinta-feira, maio 08, 2008

Pequeno currículo

Caso alguém tenha alguma oportunidade de trabalho, segue um resumo do meu currículo:

Marcos Alfred Brehm é amante do bom e velho samba, nasceu (ocasionalmente) em Curitiba, mas gostaria de ter nascido em Salvador. É um cidadão mediano, heterossexual convicto, proletário hesitante, bacharel em direito e futuro engenheiro eletricista, embora ultimamente tenha como principal atividade a paternidade do jovem Otto, um bebê pra lá de sagaz. Embora tenha nascido com espírito de cigarra, tem vida de formiga e adoraria uma oportunidade de viver sem trabalhar (embora um emprego de cronista seja muito bem vindo). Escreve besteiras (tanto quanto abundantes) nas horas vagas (tanto quanto escassas), a fim de rir um pouco das aleatoriedades e sandices desse mundão, e também pra depois ninguém vir dizer que ele não avisou. Aceita propostas de trabalho de qualquer tipo, desde que surjam mais zeros (do lado direito) no seu ordenado.

Nada pra se dizer

Esse texto foi pro último concurso da revista PIAUÍ. Não gostei muito, mas... Foi.


Ao olhar para a tela em branco, o escritor se deu conta de que não tinha mais nada a dizer.
Ao menos naquele momento, os confins de sua mente eram apenas reticências. Reticências eternas, por assim dizer, por mais efêmeras que fossem.
Além das tais reticências, ele ainda tinha escondido na manga uma ou outra porção de caos, mas que preferiu conservar consigo pra ter o que passar no pão quando acabasse a manteiga. Afinal de contas, ele era assim mesmo: Um cidadão extremamente prevenido, embora tanto quanto capcioso.
De tal modo, esbanjando austeridade como quem já não mais se preocupa com as frustrações universais, continuou seu raciocínio pra lá de esquizofrênico. Escrever sobre o que?
Guerras, crimes torpes, escândalos administrativos, aleatoriedades futebolísticos, fofocas de gente famosa, genocídios, queda da bolsa, entre tantas outras obscenidades, eram assuntos que, sem sombra de dúvida, causavam boa audiência.
Porém, entendia ele que estes não eram temas merecedores da sua apreciação. Afinal de contas, ao menos para tanto, a afamada mídia contemporânea já abundava em conteúdo.
O que ele realmente desejava, era escrever sobre assuntos mais, digamos, substanciais. Tais como metafísica, filosofia psíquica, ou então sobre os aspectos jocosos da deôntica paraconsciente (seja lá o que isso significasse). Não porque estes assuntos realmente o interessassem (muito pelo contrário, aliás), mas simplesmente pela elegância e prestígio dos mesmos, que, aos olhos do escritor, eram tidos como muito mais respeitáveis e nobres, merecendo, portanto, maior consideração dos leitores.
Entretanto, havia um pequeno empecilho quanto a este tipo de tema. Ele os conhecia tanto quanto conhecia sobre, por exemplo, aramaico antigo: Absolutamente nada.
Sem maiores ou melhores opções, tentou escrever até sobre as angústias e fragilidades humanas, o que o levou a percorrer pelo obscuro terreno da literatura de auto-ajuda. Quando percebeu a gravidade da situação, entrou em depressão e pensou até em parar de escrever.
Mas tudo passa. Com as mágoas devidamente curadas, o problema veio novamente à tona: O que havia para dizer, que já não houvesse sido dito?
Sem nenhuma resposta convincente, resolveu então, ao invés de dizer, fazer.
Logo percebeu que fazer dava muito trabalho, e voltou a pensar sobre algo a ser dito. E assim se encontra até o presente momento.
Nada mais foi dito nem perguntado.

Marcadores: , , , ,