sexta-feira, abril 24, 2009

Resenha sobre o filme "Terra", um lançamento da Disneynature

Ontem à noite fui assistir o filme “Terra”, um lançamento da Disneynature, que é um novo selo da Disney para filmes com bichinhos, plantas e coisas do tipo.
Antes que me perguntem se virei vegan, ecologista ou homossexual (que, aliás, há quem entenda como sinônimos), deixo bem claro que recebi o ingresso dos colegas do Curitiblogs, que ganharam alguns a título de cortesia e democraticamente sortearam entre a rapaziada.
A tempo, que constem nos anais da história meus sinceros agradecimentos ao Curitiblogs. Valeu, moçada. De repente tomamos uma logo mais.
Afinal, em tempos que até urubu já não desce com medo de virar galeto, ingressos grátis ou outras coisas interessantes grátis, como, por exemplo, cerveja (fica a sugestão) são muito bem vindos.
Assim sendo, é de bom grado que eu teça alguns comentários a respeito de tal obra cinematográfica.
O filme, como não poderia deixar de ser, traz imagens absurdamente fantásticas da vida selvagem.
Posto que cinegrafistas não voem e nem tenham poderes de invisibilidade, a certo ponto do filme é natural se desconfiar que os animais tivessem sido treinados e as cenas pudessem ter ocorrido em alguma locação de calibre hollywoodiano, ou então sob o tal “Chroma Key” (aquele fundo azul pra enganar o caboclo).
Caso alguém prove a farsa, sugiro que aquele urso polar mancando seja indicado ao Oscar de melhor ator.
Talvez pareça exagero, mas as cenas são realmente incríveis.
Não se consegue ver uma baleia daquele jeito, a não ser que você seja outra baleia. E mesmo assim faltaria a trilha sonora.
Com exceção de um passarinho escroto que fica dançando como um retardado (o típico bicho que nunca entraria em risco de extinção, por ironia divina), o filme traz uma perspectiva singular da vida selvagem.
Obviamente as cenas mais brutais são sumariamente cortadas logo após o leopardo correr mais que o veadinho, afinal presume-se que o público seja, ao menos em boa parte, infantil.
E foi justamente aí que me ocorreu que talvez o filme, mesmo com uma qualidade inegavelmente fantástica, não vá fazer grande sucesso. Claro que a sala de cinema vazia também me levou a pensar isso...
Acompanhe o raciocínio.
Adultos assistem documentários por dois motivos básicos: Para terem informações inúteis e passarem por inteligentes em discussões de bar; e para exercitarem o sadismo vendo cenas sangrentas. Assim sendo, certamente cenas de vida selvagem com comentários superficiais e com as partes mais chocantes cortadas não vão atrair o público adulto.
Sobre os adolescentes, não há muito que se falar: Talvez se interessassem pela dança do passarinho escroto ao som de NX-Zero, se o mesmo usasse piercing no bico e tivesse problemas na escola. E mesmo assim, não sei não...
Por fim, resta o público infantil, o qual eu presumo ser o verdadeiro público alvo do filme.
Pois bem. Cabe lembrar que o filme, muito embora traga em si certo ar de aventura, é um emaranhado de cenas incríveis, intercaladas, e sem grandes conexões. Certamente está mais para documentário do que para uma história propriamente dita.
Há de se concordar que crianças não ficam mais impressionadas com cenas do mundo real (notoriamente mais chato que o mundo imaginário), mesmo com as filmagens mais incríveis dos ângulos mais bizarros. Afinal já estão acostumadas com produções hollywoodianas fictícias que incluem cenas muito mais impossíveis (justamente por serem fictícias), e muito mais envolventes que a singela “trama” deste filme. Qualquer história da própria Disney daria de dez a zero.
Portanto, diria que, desconsiderando-se as premissas capitalistas que vinculam obras cinematográficas a negócios rentáveis, o filme é muito bom.
Se você gosta de cenas de vida selvagem fabulosas, mas se incomoda com as partes sangrentas ou com comentários informativos substanciais, certamente é o que há.
Para finalizar, meu espírito suíno me obriga a deixar mais um último comentário:
O urso polar morre no final.
Rá!

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quarta-feira, abril 15, 2009

Da ressaca

Uma boa ressaca convém ser devidamente degustada.
A leve sensação de desligamento das coisas mundanas, a confusão mental e a lentidão de raciocínio, quando não acompanhadas de mal estar físico em níveis intoleráveis, chegam ao limiar do aprazível.
Afinal, a mesma não deixa de ser um estado de entorpecimento, mesmo que escoltada por porções de entusiasmo infinitamente inferiores às usualmente registradas na véspera.
A ressaca perfeita exige um dia de céu cinza, podendo ser eventualmente acompanhada de uma garoa leve. O clima deve, na medida do possível, se adequar às condições físicas e espirituais do protagonista.
Ressacas em dias de céu muito límpido costumam gerar conflitos existenciais insuportáveis, seguidos de balancetes de cunho moral, promessas irrealizáveis, suicídios, entre tantas outras baboseiras do tipo.
Há ainda quem considere a ressaca como o próprio castigo divino, que compensaria o deleite exagerado da véspera, uma suposição que pode ser facilmente desmentida através de duas simples considerações: O mundo definitivamente não é justo; Jesus bebia vinho (mesmo quando só havia água disponível) e mesmo assim precisou ser crucificado.
A verdadeira ressaca deve ter, sob pena de tornar-se contagiosa, índole puramente introspectiva.
Pois muito embora a bebedeira seja uma modalidade esportiva habitualmente praticada de forma coletiva, a ressaca é invariavelmente individual. E não é passível de alienação, absolvição ou procrastinação (a não ser que se emende outro porrete, o que nem sempre é possível, infelizmente).
Enfim, a ressaca tem caráter personalíssimo e de cumprimento sumário.
Bebeu, tomou. Simples assim.
Alguns até classificam-na como doença. Doença incurável, que conste nos autos.
Afinal os sintomas podem ser combatidos com inúmeras panacéias milagrosas, sintéticas ou não, mas a essência ressaca sempre permanece ali, constante, permanentemente alojada na alma sujeito, até segunda ordem do criador.
Particularmente, recomendo, além dos analgésicos, antiácidos e isotônicos de praxe, algum samba bem sincopado de Nelson Cavaquinho, Wilson Batista ou Paulinho da Viola, preferencialmente na voz de João Nogueira (os do Paulinho podem ser por ele mesmo).
Para situações clínicas mais graves, quando nada mais funcionar, recomendo Lupicínio Rodrigues na voz de Jamelão, porém mantendo sempre certa distância de armas de fogo, objetos cortantes, grandes alturas, e afins, que é pra garantir a ressaca da próxima semana.

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sexta-feira, abril 03, 2009

As frustrações de Nunes

Nunes era um cara peculiar.
Pela terceira vez na mesma semana flagrou-se parado observando-a com um olhar introspectivo, a poucos metros de distância.
Mal tinha coragem de chegar perto daquele jeito. Não entendia o porquê, mas apresentava um bloqueio psicológico gravíssimo.
Tentava relembrar memórias de infância que pudessem explicar a dificuldade, mas não lhe ocorria nada.
Pra piorar, ela ficava sempre ali, imóvel, limpinha e cheirosa, disponível a qualquer um, porém impassível aos sofrimentos dele.
Nunes tinha plena certeza que mesmo se fosse até lá não iria conseguir interagir, por medo ou insegurança. Ou por ambos. Era sempre assim.
E o sofrimento não era pouco: Sentia ondas de calor que vinham desde a ponta do pé até a nuca... Uma sensação indescritível.
Naquele momento teve vergonha de si mesmo e pensou até em procurar ajuda profissional, afinal o problema era definitivamente com ele. Elas certamente não tinham culpa de nada.
Aquela não era a primeira vez que aquilo acontecia, e a situação já começava a atrapalhar sua vida pessoal.
Enquanto permanecia parado ali, sem ação, começou a lembrar de todas as vezes que passou por situações semelhantes.
De todas as vezes que chegou até elas, mas não saiu nada. Sentia-se psicologicamente impotente. Um eterno frustrado, enfim.
Enquanto a observava ali, branca como a neve, desprotegida, completamente disponível e exalando um agradável cheiro cítrico, teve vontade de chorar.
Porém, subitamente a sensação se tornou mais forte. Nunes, já empalidecido, começou a suar frio.
Precisava sair dali rápido, ou as coisas piorariam de vez.
Não queria passar vergonha, ainda mais na frente dela. Seria ridículo.
Sem dizer qualquer coisa, correu apressadamente até o carro.
Não havia outra coisa a se fazer: Infelizmente, Nunes só conseguia cagar na privada de casa.
Era fiel a ela, e as outras não tinham a menor chance.

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quarta-feira, abril 01, 2009

Um breve ensaio sobre o tempo

O tempo é um ente realmente fantástico. Pode, simultaneamente, ser a mais vulgar das vulgaridades e a mais nobre das nobrezas, ou então a mais mesquinha das mesquinharias durante anos para tornar-se a mais esperançosa das esperanças na próxima fração de segundo.
É o maior bode expiatório já registrado nos anais da história humana. Afinal, não fosse a alegada falta do mesmo a humanidade faria, por baixo, três vezes mais do que efetivamente faz. Que jogue a primeira pedra quem nunca reclamou da falta de tempo, mesmo sendo este sempre minuciosamente dividido entre todos de forma igualitária e preestabelecida: vinte e quatro horas por dia para cada um até o final dos tempos, se é que haverá um final. O tempo é, em sua essência política, de extrema esquerda.
Mesmo sem qualquer teste de DNA, desconfio ainda de certo parentesco entre o tempo e o acaso, que, aliás, nunca mais foi visto depois que decidiu aventurar-se como grileiro pelas bandas de Rio Branco, no Acre. Há até quem duvide de sua existência. Tanto do acaso quanto do estado do Acre.
O tempo é algo impossível de ser negociado, muito embora os companheiros de classe proletária não costumem aceitar muito bem este conceito, enquanto aguardam ansiosamente pelas dezoito horas, já imaginando o holerite do dia dez.
Afinal, fora eventuais distorções na geometria do espaço e do tempo causadas por certo alemão doidão, das quais não convém comentar por ora, o tempo, brilhantemente definido por Paulinho da Viola como um pássaro de natureza vaga, além de inegociável, é mensurável, líquido, certo, e personalíssimo.
Quem pensa que o aluga, aluga a si mesmo. Nada contra isso, claro, posto que eu mesmo esteja disponível para locação, dependendo basicamente duma questão de número de zeros. Só não estou aceitando contrato de leasing por ainda me restar certo amor-próprio. Mas aviso assim que acabar.
Uma das qualidades mais fantásticas do tempo é que se não há como ganhá-lo, certamente não há como perdê-lo.
E, haja vista que não há como perdê-lo, temo que seja tanto quanto estúpido preocupar-se com o mesmo.
Assim, sinceramente já não dou grande importância ao tempo, que também já não me presta o mesmo zelo de outrora.
Ainda relacionamo-nos, claro, já que não há outra possibilidade. Todavia fico na minha, e ele, até onde sei, fica na dele.
Suportamo-nos, enfim.
Só não sei até quando.

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